segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Ainda existe “coronelismo” no Brasil de hoje?


Ao pensar em uma resposta objetiva para a questão colocada, sentimo-nos seduzidos, já de saída, a responder que: “sim, ainda existe coronelismo no Brasil.”
            Dizia Víctor Nunes Leal, no clássico Coronelismo, enxada e voto, publicado em 1949, que coronelismo era compromisso entre poder privado e poder público. O compromisso, continuava ele, derivava de um longo processo histórico e se enraizava na estrutura social. A urbanização, a industrialização, a libertação do eleitorado rural, o aperfeiçoamento da justiça eleitoral, acreditava, iriam enterrar coronéis e coronelismo.
O coronelismo, como sistema nacional de poder, acabou em 1930. O centralismo estado-novista destruiu o federalismo de 1891 e reduziu o poder dos governadores e de seus coronéis. Mas os coronéis não desapareceram. Alguns da velha estirpe ainda sobreviveram ao Estado Novo. Chico Romão viveu até a década de 60, assustado ao final da vida com o surgimento das Ligas Camponesas. E surgiu o novo coronel, metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e valores remanescentes dos velhos tempos.
Com base nessas premissas, Víctor Nunes previa o fim do coronelismo e do coronel quando o país se industrializasse e urbanizasse, as eleições se moralizassem, o cidadão se emancipasse. O país urbanizou-se (81% da população são hoje urbanos), industrializou-se (só 24% da mão de obra se emprega na agricultura), o direito do voto se estendeu a 65% da população, a justiça eleitoral acabou com a fraude. Diante desses dados, é preciso optar por uma das seguintes saídas: ou dizer que Víctor Nunes se enganou na previsão; ou admitir que ele acertou e que falar hoje em coronel é mera figura de linguagem, retórica política; ou afirmar que a palavra está sendo usada com outro sentido.
Vamos por partes. São inegáveis as drásticas mudanças econômicas e demográficas por que passou o país desde 1950. Mas algumas coisas não mudaram tanto. Não mudaram a pobreza, a desigualdade e, até recentemente, o nível educacional. Os 50% mais pobres da população ainda recebem apenas 14,5% da renda nacional, ao passo que o 1% mais rico fica com quase a mesma parcela, 12,5%.
No Nordeste, a porcentagem é de 50%, no Nordeste rural, de 72%. A pobreza e a baixa escolaridade mantêm a dependência de grande parte do eleitorado. O clientelismo tem aí terreno fértil em que vicejar.
A população foi pela primeira vez na história do país admitida em massa ao exercício do voto. Era um passo à frente, mas estávamos longe de um eleitorado maduro. No populismo, o eleitor dispensava a mediação do coronel mas fazia do líder um grande coronel urbano de que esperava ajuda e proteção. Montou-se uma máquina clientelística de corrupção e distribuição de favores à custa de recursos públicos.
Por fim, quando se fala de coronéis hoje se usa a parte pelo todo. O coronel de hoje mantém do antigo coronel a arrogância e a prepotência no trato com os adversários, a inadaptação às regras da convivência democrática, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o público do privado, o uso do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsídios e outros favores para enriquecimento próprio e da parentela. Tempera tudo isso com o molho do paternalismo e do clientelismo distribuindo as sobras das benesses públicas de que se apropria. Habilidoso, ele pode usar máscaras, como a do líder populista, ou do campeão da moralidade.
Os partidos também se enfraquecem na medida em que famílias de longa tradição política dominam certos Estados e regiões. É o caso da família Collor, que tem grande ascendência sobre Alagoas, da família Sarney no Maranhão e a de Antonio Carlos Magalhães, que controla a política baiana. Não se pode afirmar que essas famílias sejam uma continuação do coronelismo tal qual ocorria na Primeira República. Entretanto, existe uma forma de controle político que se relaciona com o que se praticava naquele contexto. O coronel utilizava seu prestígio e poder para obter apoio político em favor da oligarquia detentora do poder. Hoje, as famílias utilizam sua força econômica e seu poder de influência para fazer prevalecer seus interesses e perpetuar-se no poder. Nesse sentido, é fundamental o controle dos veículos de comunicação como jornal, rádios e estações de televisão.
Com o fim da ditadura militar, nos anos 1980, recriou-se o pluripartidarismo. No entanto, nem sempre há uma postura ideologicamente clara nos programas da maioria desses partidos e nem há coesão partidária. Muitos políticos rompem com as diretrizes do partido pelo qual foram eleitos e trocam de legenda ainda durante o seu mandato, demonstrando um forte personalismo em detrimento de toda uma visão de atuação política proposta pelo partido a partir do seu estatuto.
Por fim, nas eleições de hoje, é preciso considerar o papel da mídia. Os recursos que os meios de comunicação oferecem acabam por se transformar em um dos principais veículos de discussão política.
O que menos se apresenta na mídia, principalmente no horário de propaganda eleitoral gratuita, é as propostas dos candidatos e do projeto de governo dos partidos. Esse espaço se transforma em um local de apresentação de um produto a ser consumido. Nesse caso, o que se vende é o candidato e o consumidor é o eleitor.
Nesse sentindo, é preciso analisar criticamente o que assistimos na TV, ouvimos no rádio e lemos nos jornais, porque não se tratam de posições neutras, mas de opiniões fundamentadas em posições ideológicas e interesses econômicos ou políticos.

Fonte: : http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/ http://www.scipione.com.br

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